O Acordo PornOrtográfico

Artigo 11.º
(Símbolos nacionais e língua oficial)
1. A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e
integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de
Outubro de 1910.
2. O Hino Nacional é A Portuguesa.
3. A língua oficial é o Português.



O Acordo Porn’Ortográfico.

Nasci tarde, num país que não entendo.
Sou do tempo em que uma nação se definia como a reunião de pessoas, falando o mesmo idioma e tendo os mesmos usos e costumes, formando, assim, um povo. E um povo se definia pela língua, pelo território, pela bandeira, pela tradição, e pela história. Mas a verdade é que nasci tarde num mundo que não entendo e que não pertenço, e que deixou de ter o Português como língua oficial, ainda que constitucionalmente garantido.
Não é a língua toda, dirão. São só alguns elementos que tornam a língua mais utilizável por todos, são só uma mão cheia de pequenas alterações que não alteram em quase nada o que se diz, como se diz ou porque se diz, são pequenos detalhes que de tão pequenos quase se tornam inexistentes.
A esses eu respondo utilizando toda a riqueza do meu Português, vão pentear macacos, vão morrer longe, vão para o raio que os parta ou, de forma mais clara e inequívoca, morram vendidos e vendilhões que por motivos pouco claros (para alguns pelo menos) nos vão despindo e descaracterizando como povo.
Calma, não estou com isto a dizer que a culpa que morre solteira tem um só amante, não. Somos nós como povo que deixamos que isto, e outras coisas também importantes, aconteçam.
Mas voltemos à questão que nos trouxe aqui, ou como alguns diriam, voltemos à vaca fria.
O meu problema, e agora vou antecipar algumas opiniões, não tem a ver com colonizadores e colonizados, com professores ou alunos. Não. Tem a única e exclusivamente a ver com lógica e bom senso, com o que é a língua e um povo, o que é evolução pela regressão, e evolução por cultura.
A língua, para mim que sou leigo, não é só um conjunto de palavras, sons, expressões, ou outros lugares. A língua é o que nos distingue como seres inteligentes, e entre estes o que nos distingue como herdeiros de algo maior que todos nós, a história. A língua é a forma como aprendemos a exprimir o que nos vai na alma exactamente como vai, e não por suposições ou especulações ou por meias ideias. A língua é o que nos permite existir em comunidade e dela fazer parte.
Não vou entrar em tecnicidades, bastam-me como disse o bom senso e o empirismo mas, porque raio tenho de relatar um fato (leia-se fátu) só porque alguém a quem ensinei a falar não consegue perceber o "C" mudo ou a sua existência, e muito menos a sua dicção (leia-se mesmo dikssão).
A descer assim, porque raio não começamos por falar a língua estúpida, balbuciante e sem sentido que os putos quando pequenos usam para se exprimir, porque o seu vocabulário é ainda incipiente???
Sim, porque temos de descer de nível só porque alguém não consegue pronunciar facto, pêlo, padaria ou Maria sem parecer ridículo e saído do Encontro de Irmãos.
Não preciso que digamos que o Português é uma língua só, una e indivisível, não.
Chamem-lhe português do Brasil, de Angola ou Cabo Verde, de Timor ou do raio que os parta a todos, mas assumamos o Português de Portugal como nosso, como decorrente da nossa história, e como um património rico, senão o mais rico património português da humanidade.
Apostemos na evolução da língua como vem sido feita, por exemplo: passamos do som “ph” para o som “f” em farmácia, adoptamos termos estrangeiros como “web”, mas em nada esta evolução nos retirou riqueza.
A evolução não tem de ser na simplificação.
A evolução pode, e deve ser pensada como enriquecimento de algo, e não no empobrecimento de uma tradição.
Não voltemos também as costas a este assunto por comodidade, não permitamos que esta descaracterização do que é e do que se espera de Portugal continue, não deixemos perder quem somos porque mais cedo ou mais tarde vamos precisar do nosso poiso, do nosso local, do nosso canto no mundo.
Eu sou adepto da globalização, sou mesmo, mas não da estupidez que rege o nosso país e que nos retira mais um dos nossos elementos identificativos.
O que virá a seguir?
Queimar a bandeira e substituir por outra mais global e fashion?
Mudar o nosso hino por uma batida mais pop, ou rock ou outro género mais trauteável? Esqueçamos já agora todas as guerras e batalhas, os mortos de corpo e espírito e integremo-nos numa península única.
Queimemos os livros de história, não vão eles cair no erro de nos dizer do passado o que devemos fazer para o futuro.
Somos um povo peculiar, ninguém como nós ri das tristezas, ninguém como nós tem esta capacidade de com palavras simples e mais ou menos brejeiras inventar piadas e anedotas logo após uma catástrofe, ninguém como nós dá palavras ao mundo com significados tão globais como desenrascantes. Mas esta magia que no dia-a-dia fazemos com as palavras só existe porque há muito tempo o fazemos e sabemos bem com que linhas tecemos.
Não sei o que podemos fazer para travar este retrocesso, mas da minha parte vos digo, e deixo escrito para quem quiser ler, o meu Português é o Português de Portugal.
E também vos digo em jeito de síntese sobre, por mim podem todos meter o Acordo num sítio onde o sol não brilhe, ou utilizá-lo na falta de papel mais qualificado ou um coelhinho branco.

Diogo F. Trindade