O Povo Português, por Fernando Pessoa

"O povo Português é, essencialmente, cosmopolita.
Nunca um verdadeiro Português foi Português: foi sempre tudo."
Fernando Pessoa

A Santiago de Bicicleta



Parto hoje para Santiago de Compostela de bicicleta naquela que será, à data, a maior prova de actividade física que enfrento.
Este é o meu velho e fiel "Rocinante", e também ele está preparado para mais uma das nossas aventuras. E se bem que tem de carregar um belo fardo às costas, também ele é familiar do Sancho Pança.
No entanto, e se bem que o destino seja interessante e renovador, o que me atrai mesmo é a viagem, com quem ela se faz, e quem levamos no coração.

Prometo relato mais ou menos extenso e pormenorizado.


A Re-reconquista de Lisboa – parte 1

“Sentindo íntima compaixão pela sorte daquele indivíduo, o Senhor indagou dos Espíritos:
Qual é o teu nome?, Recebendo como resposta:
Meu nome é Legião, porque somos muitos !” (Evangelho S. Marcos)

Durante alguns anos, e ainda não sei se estarei curado, padeci de uma vontade regionalista e separatista, e que preconizava a volta ao território inicial, ao território anterior à reconquista de Lisboa aos Mouros.
Fui um doente calmo e sem grande necessidade de observação ou cuidados de maior, mas no fundo sabia que este mal que me assolava ainda estaria mal definido ou explicado.
Os sintomas foram-se desvanecendo e, qual epifania, eis que percebi.
Finalmente Eurekisei o meu espírito, e descobri a cura para este meu mal.
Antes de repensar a Re-reconquista de Lisboa aos Mouros, vou (e deveríamos todos) começar por reconquistar o Português, o Lusitano, o filho de muitos povos e que trouxe muitos mundos ao mundo.
Descobri que o problema não está no território, no Sul Centro ou Norte, o problema não está fora de portas ou no estrangeiro, o busílis desta questão está em cada um de nós. E o melhor que cada um de nós pode fazer é passar a mensagem.
Falta cumprir Portugal, sim falta.
Temos de dar a volta à situação em que nos encontramos, declaradamente que sim, mas acima de tudo temos de nos cumprir individualmente e como fiéis depositários de uma história, uma tradição, e uma cultura que por forte, há muito quem queira calar.
Mas somos muitos e somos bons, e sabemos que está na altura de olhar para dentro de portas e ver o que fazemos bem, e que é muito mais do que aquilo que nos deixam perceber.
Temos de divulgar e fazer saber o que todos os dias damos ao Mundo.
Temos de olhar para cada um de nós, bem fundo, e relembrar o dia em que corremos com os diversos invasores que por mal nos tentaram mudar ou governar, precisamos de olhar para cada um de nós e lembrar que da nossa pequenez se fez um mundo inteiro e que não há país no mundo que não saiba quem somos ou o que fizemos.
Temos de voltar a ter orgulho no que é nosso, desde a nossa História (que quem manda sobre os que mandam em nós tenta por todos os meios apagar), aos nossos símbolos: da bandeira, ao hino republicano ou monárquico, da língua ao nosso território.
Há quem diga que precisamos de líderes reais, honestos, com um conceito de missão capaz de aglutinar todas as vontades.
É verdade, mas um líder surge do esclarecimento, e do meio de gente esclarecida, e é esse o primeiro passo, esclarecer.
Esse líder vai surgir no dia em que as vontades esclarecidas se criarem e se reconquistar o português de cada um de nós.
Nesse dia, informados, esclarecidos, com vontade de retomar o caminho que nos está destinado, com vontade de deitar por terra todas as falsas demagogias e desculpas que nos mantêm presos ao actual estado de coisas, nesse dia dizia, nesse dia um de nós falará mais alto, e os outros ouvirão. Ouvirão e perceberão que não estão sozinhos, e que em conjunto somos muitos, e que o destino de cada um de nós está por cumprir, porque falta cumprir Portugal.

O Acordo PornOrtográfico

Artigo 11.º
(Símbolos nacionais e língua oficial)
1. A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e
integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de
Outubro de 1910.
2. O Hino Nacional é A Portuguesa.
3. A língua oficial é o Português.



O Acordo Porn’Ortográfico.

Nasci tarde, num país que não entendo.
Sou do tempo em que uma nação se definia como a reunião de pessoas, falando o mesmo idioma e tendo os mesmos usos e costumes, formando, assim, um povo. E um povo se definia pela língua, pelo território, pela bandeira, pela tradição, e pela história. Mas a verdade é que nasci tarde num mundo que não entendo e que não pertenço, e que deixou de ter o Português como língua oficial, ainda que constitucionalmente garantido.
Não é a língua toda, dirão. São só alguns elementos que tornam a língua mais utilizável por todos, são só uma mão cheia de pequenas alterações que não alteram em quase nada o que se diz, como se diz ou porque se diz, são pequenos detalhes que de tão pequenos quase se tornam inexistentes.
A esses eu respondo utilizando toda a riqueza do meu Português, vão pentear macacos, vão morrer longe, vão para o raio que os parta ou, de forma mais clara e inequívoca, morram vendidos e vendilhões que por motivos pouco claros (para alguns pelo menos) nos vão despindo e descaracterizando como povo.
Calma, não estou com isto a dizer que a culpa que morre solteira tem um só amante, não. Somos nós como povo que deixamos que isto, e outras coisas também importantes, aconteçam.
Mas voltemos à questão que nos trouxe aqui, ou como alguns diriam, voltemos à vaca fria.
O meu problema, e agora vou antecipar algumas opiniões, não tem a ver com colonizadores e colonizados, com professores ou alunos. Não. Tem a única e exclusivamente a ver com lógica e bom senso, com o que é a língua e um povo, o que é evolução pela regressão, e evolução por cultura.
A língua, para mim que sou leigo, não é só um conjunto de palavras, sons, expressões, ou outros lugares. A língua é o que nos distingue como seres inteligentes, e entre estes o que nos distingue como herdeiros de algo maior que todos nós, a história. A língua é a forma como aprendemos a exprimir o que nos vai na alma exactamente como vai, e não por suposições ou especulações ou por meias ideias. A língua é o que nos permite existir em comunidade e dela fazer parte.
Não vou entrar em tecnicidades, bastam-me como disse o bom senso e o empirismo mas, porque raio tenho de relatar um fato (leia-se fátu) só porque alguém a quem ensinei a falar não consegue perceber o "C" mudo ou a sua existência, e muito menos a sua dicção (leia-se mesmo dikssão).
A descer assim, porque raio não começamos por falar a língua estúpida, balbuciante e sem sentido que os putos quando pequenos usam para se exprimir, porque o seu vocabulário é ainda incipiente???
Sim, porque temos de descer de nível só porque alguém não consegue pronunciar facto, pêlo, padaria ou Maria sem parecer ridículo e saído do Encontro de Irmãos.
Não preciso que digamos que o Português é uma língua só, una e indivisível, não.
Chamem-lhe português do Brasil, de Angola ou Cabo Verde, de Timor ou do raio que os parta a todos, mas assumamos o Português de Portugal como nosso, como decorrente da nossa história, e como um património rico, senão o mais rico património português da humanidade.
Apostemos na evolução da língua como vem sido feita, por exemplo: passamos do som “ph” para o som “f” em farmácia, adoptamos termos estrangeiros como “web”, mas em nada esta evolução nos retirou riqueza.
A evolução não tem de ser na simplificação.
A evolução pode, e deve ser pensada como enriquecimento de algo, e não no empobrecimento de uma tradição.
Não voltemos também as costas a este assunto por comodidade, não permitamos que esta descaracterização do que é e do que se espera de Portugal continue, não deixemos perder quem somos porque mais cedo ou mais tarde vamos precisar do nosso poiso, do nosso local, do nosso canto no mundo.
Eu sou adepto da globalização, sou mesmo, mas não da estupidez que rege o nosso país e que nos retira mais um dos nossos elementos identificativos.
O que virá a seguir?
Queimar a bandeira e substituir por outra mais global e fashion?
Mudar o nosso hino por uma batida mais pop, ou rock ou outro género mais trauteável? Esqueçamos já agora todas as guerras e batalhas, os mortos de corpo e espírito e integremo-nos numa península única.
Queimemos os livros de história, não vão eles cair no erro de nos dizer do passado o que devemos fazer para o futuro.
Somos um povo peculiar, ninguém como nós ri das tristezas, ninguém como nós tem esta capacidade de com palavras simples e mais ou menos brejeiras inventar piadas e anedotas logo após uma catástrofe, ninguém como nós dá palavras ao mundo com significados tão globais como desenrascantes. Mas esta magia que no dia-a-dia fazemos com as palavras só existe porque há muito tempo o fazemos e sabemos bem com que linhas tecemos.
Não sei o que podemos fazer para travar este retrocesso, mas da minha parte vos digo, e deixo escrito para quem quiser ler, o meu Português é o Português de Portugal.
E também vos digo em jeito de síntese sobre, por mim podem todos meter o Acordo num sítio onde o sol não brilhe, ou utilizá-lo na falta de papel mais qualificado ou um coelhinho branco.

Diogo F. Trindade